Pinceladas Vivas - 9
O bom do Günther
Agora que já passaram todas as emoções tórridas de encantos e desencantos suscitadas pelo Mundial FIFA 2006, sou tentado a fazer algumas reflexões acerca desse fenómeno de multidões e do pequeno país que nós temos e somos.
Eu e os meus amigos mais próximos e mais íntimos temos orgulho em sermos lusitanos, em termos nascido neste doce berço europeu, neste pequenino torrão lindo de morrer, e também gostamos desta nossa gente, orgulhosa da sua maravilhosa história de séculos, nação de marinheiros intrépidos e barbudos que, contra ventos e marés, rasgaram o desconhecido para “dar novos mundos ao mundo”, “nação valente e imortal” que milhares e milhares de gargantas cantaram até ficarem roucos, agitando bandeiras e cachecóis, buzinando até mais não, de cada vez que aquele grupo de bravos rapazes lusitanos do pontapé na bola, sob a batuta do sargentão brasileiro, iam galgando barreira atrás de barreira, em direcção ao momento mais apetecido: - sermos campeões do mundo!
Não chegámos lá, ficámos às portas, pertinho, pertinho, à distância de 2 jogos, em que “tínhamos” de ganhar aos franceses do “galo velho” [seus indecentes, vocês compraram o árbitro, ameaçando que iam hipotecar o Uruguai se ele não marcasse um penaltizito contra os portugas! ….] e aos italianos da massa milanesa [mas foi melhor assim, se não como é que íamos ter o extremo gozo de ver aquela cabeçada ao Materazzi?!..., Ah, ganda Zidane, assim é que é! Não se pode dar confiança a um italianozeco de meia tigela, meio tostão furado de gente!...].
E então, com estas cogitações todas, estava eu, muito satisfeitinho, a pensar com os meus botões, como tenho orgulho em ser português [“Atão” um 4º lugar não é bom?! É lá coisa de se deitar fora?! Portugal, dos velhos marinheiros e marujos, entre as 4 maiores potências do mundo da bola! Ombreando ali com italianos, franceses e alemães, os tais crónicos (mais o Brasil e a Argentina, ou o Uruguai de há 20 décadas), das finais fifescas! À frente duma data de “times” que gritavam que iam fazer isto e aquilo, assado e frito, que o campeonato do mundo já estava no papo, ainda antes de jogarem!]. Como me dá gozo em pertencer a esta raça de gente do 8 ou 80! Há 2 anos, no Euro 2004, estávamos lá, quase, quase lá, mas, pronto, vieram uns gregos endemoninhados, chatearam-nos e lá se foi o sonho de sermos campeões. Agora [isto não se faz!] foram os chatos [outra vez, vestidos de azul, como os gregos!] dos franceses [e nós que estávamos a jogar tão bem, sob os braços abençoados da Senhora de Fátima, ou da do Caravaggio, ou da de Marianfeld !....] e ficámos outra vez às portas do Céu. Que raio, vejam só se isto não é um fado, fatal como o destino?! E depois, vem a estranja chatear-nos que somos uns melancólicos, uns saudosistas de 3 costados, uns tipos que levamos a vida a lamuriar-nos, vivendo das recordações gloriosas dum passado heróico!... Não, não pode ser, a malta cá deste burgo lusitano, que diabo!, até tem razão em ser assim. Como éramos pequeninos, éramos no meio dos 4 potenciais candidatos, uns “outsiders” [mas, alto lá! - ouviu-se um rugido tremendo ecoado a viva voz pelos 4 cantos do mundo onde há patrícios nossos – somos pequeninos, mas não somos uns coitadinhos, somos os maiores …..]
É isto que me enche o peito, à medida em que, de reflexão em reflexão, pensamento rolando sobre pensamento, chego à Baviera de há 2 anos, à bela cidade da cerveja, que dá pelo nome de Munique (ou Munich, ou München), a tal onde lá na “Arena” do futebol, os 23 rapazes do Scolari caíram bravamente de pé às mãos [ou aos pés] dos gauleses. Por esse tempo, - recordo com saudade!-, conheci ali um alemão, raça pura genuína, embora traçado de raízes austríacas, dos lados de Salzburg [sim, a “la belle”, a paradisíaca cidade da “Música no coração”]. O Günther é um bom e sadio amigo. Trata-se de uma personagem bonacheirona, cara rosada e saudável, senhor dum farto bigode que acompanha todo o traçado da boca e que recurva, em cada um dos lados, em direcção ao nariz. Gosta de conversar, é tão bom falador como contador de anedotas, no fim de cada uma das quais solta sempre uma sonora e estrondosa gargalhada [ou seja, como se diz cá no nosso burgo, faz a “festa, lança os foguetes e apanha as canas”…]. Tal como é nosso amigo, é também amigo de Portugal, onde vem bastas vezes, umas em afazeres profissionais, mas a maioria para passar uns dias, usufruindo das facilidades de viajar, onde vem curtir sol e mar, e sentir o “doce pulso” da gente portuguesa que adora e que considera como o povo mais simpático e hospitaleiro do mundo. É, também, um homem culto, lê muito e muito do que lê é sobre Portugal, a sua história, a sua gente, a sua cultura e os nossos costumes e etnologia. Fala fluentemente inglês americano e um “pouquito de português de Portugal ” [como ele gosta de dizer, referindo-se ao “português brasileiro” e dele distanciando-se].
Naquela tarde, sentados numa típica cervejaria, situada mesmo no coração da capital da Baviera, entre 2 copos avantajados e repletos da espumosa e não menos famosa cerveja destes sítios, o bom do Günther, ia contando, também ele espumando, tal como a cerveja, de alegria contagiante de viver, desfiando as suas muitas viagens e aventuras pelo interior mais profundo de Portugal, parando momentaneamente no Algarve, seguindo repentinamente para o Minho e Douro, gorgolejando [como se estivesse mesmo naquele momento a beber] canecas de vinho verde tinto, carregadinho de espuma e acabadinho de fazer. Depois voava até à Madeira e detinha-se nos Açores, donde conhece apenas S. Miguel: - bela ilha, bela gente, bom peixe, e que mar!.... Depois, estranhamente, ao contrário do dia anterior, hoje não contou coisas para rir, nem as suas fartas gargalhadas se fizeram ouvir. Falou da melancolia do povo português, da sua saudade imensa, do seu agarrar histérico a um passado, sem dúvida glorioso, mas que não levanta barreiras nem cria riqueza e desenvolvimento hoje. País espectacular, segundo diz, prodigioso para o turismo, potencial criador de riqueza incomensurável com o seu clima, as suas paisagens e a terra que tudo dá e onde tudo se cria. Tolda-se-lhe o espírito, iluminado por uma tristeza profunda, porque não compreende a economia portuguesa, não entende porque as empresas e os negócios não avançam, porque a sociedade portuguesa está a “abrasileirar-se”,a transformar-se aos poucos no que tem sido o Brasil desde há muitos anos, um país enorme, riquíssimo, de energias fantásticas, mas profundamente assimétrico nos seus estratos sociais, sem classe média [ou, no mínimo, pobre], com uma multidão gritante de pessoas muito pobres, muitas no limiar da miséria, sem nada de seu, em contraste com uma minoria [cada vez mais pequena] de uns tantos anormalmente ricos, donos de poderosos empórios económicos, compradores não raras vezes de ilhas e das propriedades públicas. Portugal, afirma, poderá estar a caminhar nesta direcção, se nada for feito para travar o forte endividamento das famílias. A propensão para a poupança que é preocupação na Alemanha é substituída no “teu país” - interpela-me - por uma indómita vontade de gastar, fazendo parecer que o que é importante é o dia a dia, não o acautelar do futuro das gerações mais novas e das vindouras. O Milagre Alemão não existe, nem nunca existiu, o que existe, sim, é uma prodigiosa energia que atravessa a Germânia de lés a lés, como uma corrente fria, gélida e calculista, colocando esta nação grande em níveis de conforto e de bem estar em nada comparáveis aos vossos.
Quem dera, bom amigo, que não fosse assim, que estivesses enganado….
Ponta Delgada, 23 de Julho de 2006
José Rogério da Apresentação
Agora que já passaram todas as emoções tórridas de encantos e desencantos suscitadas pelo Mundial FIFA 2006, sou tentado a fazer algumas reflexões acerca desse fenómeno de multidões e do pequeno país que nós temos e somos.
Eu e os meus amigos mais próximos e mais íntimos temos orgulho em sermos lusitanos, em termos nascido neste doce berço europeu, neste pequenino torrão lindo de morrer, e também gostamos desta nossa gente, orgulhosa da sua maravilhosa história de séculos, nação de marinheiros intrépidos e barbudos que, contra ventos e marés, rasgaram o desconhecido para “dar novos mundos ao mundo”, “nação valente e imortal” que milhares e milhares de gargantas cantaram até ficarem roucos, agitando bandeiras e cachecóis, buzinando até mais não, de cada vez que aquele grupo de bravos rapazes lusitanos do pontapé na bola, sob a batuta do sargentão brasileiro, iam galgando barreira atrás de barreira, em direcção ao momento mais apetecido: - sermos campeões do mundo!
Não chegámos lá, ficámos às portas, pertinho, pertinho, à distância de 2 jogos, em que “tínhamos” de ganhar aos franceses do “galo velho” [seus indecentes, vocês compraram o árbitro, ameaçando que iam hipotecar o Uruguai se ele não marcasse um penaltizito contra os portugas! ….] e aos italianos da massa milanesa [mas foi melhor assim, se não como é que íamos ter o extremo gozo de ver aquela cabeçada ao Materazzi?!..., Ah, ganda Zidane, assim é que é! Não se pode dar confiança a um italianozeco de meia tigela, meio tostão furado de gente!...].
E então, com estas cogitações todas, estava eu, muito satisfeitinho, a pensar com os meus botões, como tenho orgulho em ser português [“Atão” um 4º lugar não é bom?! É lá coisa de se deitar fora?! Portugal, dos velhos marinheiros e marujos, entre as 4 maiores potências do mundo da bola! Ombreando ali com italianos, franceses e alemães, os tais crónicos (mais o Brasil e a Argentina, ou o Uruguai de há 20 décadas), das finais fifescas! À frente duma data de “times” que gritavam que iam fazer isto e aquilo, assado e frito, que o campeonato do mundo já estava no papo, ainda antes de jogarem!]. Como me dá gozo em pertencer a esta raça de gente do 8 ou 80! Há 2 anos, no Euro 2004, estávamos lá, quase, quase lá, mas, pronto, vieram uns gregos endemoninhados, chatearam-nos e lá se foi o sonho de sermos campeões. Agora [isto não se faz!] foram os chatos [outra vez, vestidos de azul, como os gregos!] dos franceses [e nós que estávamos a jogar tão bem, sob os braços abençoados da Senhora de Fátima, ou da do Caravaggio, ou da de Marianfeld !....] e ficámos outra vez às portas do Céu. Que raio, vejam só se isto não é um fado, fatal como o destino?! E depois, vem a estranja chatear-nos que somos uns melancólicos, uns saudosistas de 3 costados, uns tipos que levamos a vida a lamuriar-nos, vivendo das recordações gloriosas dum passado heróico!... Não, não pode ser, a malta cá deste burgo lusitano, que diabo!, até tem razão em ser assim. Como éramos pequeninos, éramos no meio dos 4 potenciais candidatos, uns “outsiders” [mas, alto lá! - ouviu-se um rugido tremendo ecoado a viva voz pelos 4 cantos do mundo onde há patrícios nossos – somos pequeninos, mas não somos uns coitadinhos, somos os maiores …..]
É isto que me enche o peito, à medida em que, de reflexão em reflexão, pensamento rolando sobre pensamento, chego à Baviera de há 2 anos, à bela cidade da cerveja, que dá pelo nome de Munique (ou Munich, ou München), a tal onde lá na “Arena” do futebol, os 23 rapazes do Scolari caíram bravamente de pé às mãos [ou aos pés] dos gauleses. Por esse tempo, - recordo com saudade!-, conheci ali um alemão, raça pura genuína, embora traçado de raízes austríacas, dos lados de Salzburg [sim, a “la belle”, a paradisíaca cidade da “Música no coração”]. O Günther é um bom e sadio amigo. Trata-se de uma personagem bonacheirona, cara rosada e saudável, senhor dum farto bigode que acompanha todo o traçado da boca e que recurva, em cada um dos lados, em direcção ao nariz. Gosta de conversar, é tão bom falador como contador de anedotas, no fim de cada uma das quais solta sempre uma sonora e estrondosa gargalhada [ou seja, como se diz cá no nosso burgo, faz a “festa, lança os foguetes e apanha as canas”…]. Tal como é nosso amigo, é também amigo de Portugal, onde vem bastas vezes, umas em afazeres profissionais, mas a maioria para passar uns dias, usufruindo das facilidades de viajar, onde vem curtir sol e mar, e sentir o “doce pulso” da gente portuguesa que adora e que considera como o povo mais simpático e hospitaleiro do mundo. É, também, um homem culto, lê muito e muito do que lê é sobre Portugal, a sua história, a sua gente, a sua cultura e os nossos costumes e etnologia. Fala fluentemente inglês americano e um “pouquito de português de Portugal ” [como ele gosta de dizer, referindo-se ao “português brasileiro” e dele distanciando-se].
Naquela tarde, sentados numa típica cervejaria, situada mesmo no coração da capital da Baviera, entre 2 copos avantajados e repletos da espumosa e não menos famosa cerveja destes sítios, o bom do Günther, ia contando, também ele espumando, tal como a cerveja, de alegria contagiante de viver, desfiando as suas muitas viagens e aventuras pelo interior mais profundo de Portugal, parando momentaneamente no Algarve, seguindo repentinamente para o Minho e Douro, gorgolejando [como se estivesse mesmo naquele momento a beber] canecas de vinho verde tinto, carregadinho de espuma e acabadinho de fazer. Depois voava até à Madeira e detinha-se nos Açores, donde conhece apenas S. Miguel: - bela ilha, bela gente, bom peixe, e que mar!.... Depois, estranhamente, ao contrário do dia anterior, hoje não contou coisas para rir, nem as suas fartas gargalhadas se fizeram ouvir. Falou da melancolia do povo português, da sua saudade imensa, do seu agarrar histérico a um passado, sem dúvida glorioso, mas que não levanta barreiras nem cria riqueza e desenvolvimento hoje. País espectacular, segundo diz, prodigioso para o turismo, potencial criador de riqueza incomensurável com o seu clima, as suas paisagens e a terra que tudo dá e onde tudo se cria. Tolda-se-lhe o espírito, iluminado por uma tristeza profunda, porque não compreende a economia portuguesa, não entende porque as empresas e os negócios não avançam, porque a sociedade portuguesa está a “abrasileirar-se”,a transformar-se aos poucos no que tem sido o Brasil desde há muitos anos, um país enorme, riquíssimo, de energias fantásticas, mas profundamente assimétrico nos seus estratos sociais, sem classe média [ou, no mínimo, pobre], com uma multidão gritante de pessoas muito pobres, muitas no limiar da miséria, sem nada de seu, em contraste com uma minoria [cada vez mais pequena] de uns tantos anormalmente ricos, donos de poderosos empórios económicos, compradores não raras vezes de ilhas e das propriedades públicas. Portugal, afirma, poderá estar a caminhar nesta direcção, se nada for feito para travar o forte endividamento das famílias. A propensão para a poupança que é preocupação na Alemanha é substituída no “teu país” - interpela-me - por uma indómita vontade de gastar, fazendo parecer que o que é importante é o dia a dia, não o acautelar do futuro das gerações mais novas e das vindouras. O Milagre Alemão não existe, nem nunca existiu, o que existe, sim, é uma prodigiosa energia que atravessa a Germânia de lés a lés, como uma corrente fria, gélida e calculista, colocando esta nação grande em níveis de conforto e de bem estar em nada comparáveis aos vossos.
Quem dera, bom amigo, que não fosse assim, que estivesses enganado….
Ponta Delgada, 23 de Julho de 2006
José Rogério da Apresentação
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