pinceladas vivas

um blog mantido por José Rogério da Apresentação

Monday, December 30, 2013

Pinceladas Vivas -12

Dias do meu contentamento

Por aqueles dias, estávamos nos princípios de Setembro. Era a altura das vindimas. A avó Olinda era ainda uma mulher robusta e viçosa, apesar dos seus cabelos grisalhos, e da idade já ir avançada. Havíamos planeado dar uma volta pelos campos, a apanhar amoras e caracóis. Eu estava com 10 anos, naquele Setembro de 58. Meus primos Virgolino, mais novo que eu 2 anos, e Luís, então com 6 anos, filhos da Tia Ivone, iam também connosco.
- Levem os farnéis. - dizia a Tia Ivone, mãe do Virgolino e do Luís, indicando as pequenas sacolas, em formato de mochilas, de pano cru verde, com 2 alças cruzadas, dentro das quais estava um pequeno pão com chouriço cozido,  2 maçãs e um recipiente com água. Fora no ano anterior que ela e a Avó tinham estado a costurar estas peças de transporte. - O almoço estrá pronto à roda da uma hora. Não venham tarde, senão apanham tudo frio. E já sabem como eu gosto de ter todos na mesa ao mesmo tempo.
Eram 9 horas da manhã. Tínhamos todos acabado de tomar o pequeno almoço truculento, uma refeição de café, pão com aquele doce de tomate (verdadeira especialidade da Tia!), de canela à mistura, mais 1 pastel de nata para aconchegar. O Tio António não fora trabalhar naquele dia, devido a uma forte gripe que j´´a o retinha em casa há 2 dias. Era empregado nas Companhias Reunidas de Gaz e Electricidade, em Lisboa, para onde seguia todos os dias, a horas em que ainda estávamos todos a dormir. O marido da Tia Ivone era naquele tempo um exímio tocador de pífaros e ocarinas, com as quais passava largas faixas do dia, compondo e tocando deliciosas melodias, que nós ouvíamos Quinta de Santa Rita abaixo.
Com os conselhos avisados da Tia, os 3 rapazes e a avó sairam da casa, no afã de aproveitarem as 4 horas dadas para apanharem a maior quantidade possível de amoras e caracóis. A família era doida por caracóis, com os quais o Tio António fazia petiscos verdadeiramente divinais. Com as amoras, a Ivone confecionava doce, bolos e licores, cujos sabores deliciosos ainda hoje, volvidos mais de 50 anos, me fazem saliva na boca.
A casa da Tia, era de renda, de estrutura rural, estava localizada no alto da Quinta, à esquerda dum amontoado quadrado de casas, cuja parte da frente tinha a adega onde áí a dias iam fazer o vinho novo, ao lado da qual estava a porta de acesso da residência da Ti Dolores, cujo marido, o Ti Silvestre, era o capataz da Quinta, Na parte da direita ficava a porta de serviço por onde habitualmente a família do capataz entrava. Na parte detrás, ficava um poço, donde era retirada a água. A toda a volta deste conglomerado de casas, situava-se um terreno vasto de quinta, apinhado de árvores de fruta de várias qualidades. Descemos o carreiro, em declive, de areia e pedras roladas,  passámos   junto à abegoria dos animais de trabalho da quinta, um pouco mais abaixo, à direita do caminho, contornámos depois à direita, passámos junto à casa da Preciosa, a vizinha, mãe dos 3 putos que brincavam  connosco, e passando ao lado da casa do José da Cunha, entrámos no caminho de terra batida entre o muro baixo da Quinta do Pena Joia e o outro muito alto de Santa Rita. Por esta via estreita acedíamos ao lugarejo da Penajoia, um lugar de gente feliz, de músicos, cantadores e dançarinos. A aldeia, orlada por casas dos moradores dum lado e do outro da via, tinha ao centro um largo ajardinado, com recantos perfumados e coberto de flores e vegetação verdejante, onde se
podiam ver vários bancos de ferro e madeira pintada de verde, dispostos ao lado uns dos outros até ao grande chafariz. Aqui acabava o pequeno povoado, com a estrada  de terra a encruzilhar com uma outra, asfaltada, ligando o lugar da Venda da Penajoia até à Estrada do Casquilho, um bom bocado mais abaixo.