pinceladas vivas

um blog mantido por José Rogério da Apresentação

Saturday, July 29, 2006

Pinceladas Vivas - 10

Água bendita, quando se morre por ti

Este é o 1º de 3 artigos que desejo dedicar à água, esse bem precioso e vital para o nosso planeta. Vezes sem conta, tenho sido um arauto da defesa da água, um recurso que, também não raras vezes, as populações do mundo não se dão conta de quanto desprezam e de quanto o desperdiçam.

Não sou, por princípio, dos que embandeiram ou pertencem ao grupo dos ambientalistas, dos verdes, dos amigos da terra, das organizações mundiais interessantes que se batem pela pureza dos mares, da vida, dos climas, que lutam contra a poluição e o aquecimento do planeta, que gritam contra as caçadas desenfreadas sobre as espécies em extinção, que erguem as vozes denunciando a exploração sem freio das energias não renováveis e os consequentes desequilíbrios ecológicos que colocam em perigo a harmonia deste maravilhoso mundo em que vivemos.

Respeito as muitas vozes que bradam, cruzando oceanos e continentes, e que se erguem contra o aquecimento do globo, a desertificação e aridez de vastas áreas que outrora foram férteis, viçosas, cheias de água abundante e verdejantes, o desaparecimento de animais e plantas que embelezavam e davam vida e cor a imensas pradarias luxuriantes.

Reconheço a falta das matas, dos pomares, das flores garridas em campos férteis, das searas verdes atravessadas e pujantes de papoilas vermelhas, das árvores bordejando valas e canais onde a água corria, a cantar, por entre os pios dos passarinhos, o grasnar dos patos bravos sedentos, as árvores amigas carregadas, até mais não, de frutos viçosos e suculentos, os arrozais a perder de vista, e o cheiro – magnífico, purificador e amigo dos pulmões da malta de ontem, a tal populaça rural que não sabia nem conhecia o significado dos fumos das fábricas, do tráfego caótico, dos ruídos ensurdecedores, das cores plúmbeas e escuras dos céus, das luzes coadas e poluentes que fazem chorar os olhos e dos ventos doentios, acres e secos que secam, gretam e escavam os narizes da gente, narizes que nasceram para cheirar, mas que, de geração em geração, estão a perder o olfacto, porque os aromas, os perfumes da natureza estão a desaparecer.
Tenho saudades da água e de tudo quanto a rodeava, nos regatos, ribeiros e valas que alimentavam canteiros e quintas amorosamente trabalhados, nos rios, serenos e azuis, que passavam a cantar, regando docemente tudo em volta, das nascentes e açudes que abraçavam, em milagres de amor e doçura, as florestas e matas frondosas nas suas margens, da frescura perfumada que se libertava por toda a parte, do silêncio calmo e apaziguador, aqui e ali cortado pelos estridentes sons das aves canoras e de plumagens de cores e encantos mil.

Sinto hoje nostalgia e tristeza por querer atravessar rios, ribeiros, ribeiras e regatos, e não poder, porque neles não há água, há pântanos dessorados, pestilentos, cheios de dejectos e cheiros nauseabundos. A água, bendita e fonte de vida, está a ser desprezada e está a morrer!...

A nossa geração de hoje não é amiga da água, como também não direi que é sua inimiga. Uma onda incrível de indiferença e apatia se abateu sobre este planeta azul, onde 3/4 dele é água. Mas o homem, no afã do seu progresso [ à procura daquilo que considera o seu conforto e bem estar], está a dar cabo do planeta Terra, esta´ a aniquilar os mares, os oceanos, as espécies marinhas, os bancos de peixe começam a ficar exauridos, a poluição, provocada por lixos de toda a espécie [químicos, radiológicos, nucleares, resíduos sólidos, substâncias tóxicas, …] estão a aniquilar a flora e a fauna marinha e aquática, enquanto, simultaneamente, a vegetação, outrora luxuriante e verde, amarelece, estiola e desaparece. Pântanos monstruosos erguem-se altivos, cruzados por revoadas de mosquitos, insectos e répteis que transportam doenças, pestes e a morte.


A água que, durante milénios, foi o elemento abundante, único e amigo, que matava a sede dos homens, dos animais e das plantas, deixou de ser a companheira das longas jornadas em que, quando o cansaço e a secura se abatia sobre tudo quanto tinha vida e respirava, era a amiga que aconchegava e estava sempre em todas as horas.

Aos poucos, tem vindo a ser desprezada, abandonada, olhada com suspeição e a ser substituída por outros parentes que a era das tecnologias trouxe. Foi primeiro o vinho [Ah, doce vinho!, Ah, meu verdinho, meu verdinho, não há cor igual à tua!...], depois a cerveja [loura, espumosa e de múltiplos tragos e sabores], mais recentemente os refrigerantes [as cocas, as sprites, os espumantes, com corantes ou sem eles, gaseificados, doces ou menos doces] e as polpas e sumos de frutas. Todos eles que, no entanto, e mais uma vez, precisam de ter água dentro, para subsistirem e poderem ser consumidos. Que seria de cada um deles, sem a nossa [e outra vez] amiga água!...


Mas a água, bendita e amiga, hoje também deixou de ser amiga. Passou a ser uma inimiga mortal, assassina, causadora de milhões de mortes de seres inocentes e indefesos. Não apenas seres humanos famintos e depauperados, mulheres, crianças, idosos, adultos esquálidos e frágeis, em extensas zonas degradadas do globo, como também animais que podiam ser fonte de sustento e de apoio. Morrem também, sob o efeito dos venenos e dos poluentes, com origem em toda a sorte de fontes, incluindo cadáveres e dejectos nas nascentes e pântanos infestados de insectos portadores de doenças altamente mortíferas [malária, cólera, febre amarela, e outras].

Em vastas zonas do globo terrestre onde há míngua de tudo, também o elemento água [que devia correr alegre e sadio por entre as densas matas e selvas africanas, pelas estepes asiáticas ou pelas vastas savanas] é também “amigo”, “causa” e “companheiro” na morte de milhões e milhões de seres que fogem, calcorreando os muitos “corredores da morte” à procura do maná, da terra prometida, da salvação e de algo para comer … e para beber.

Eu não pertenço a nenhuma destas organizações, cuja bandeira é a defesa da vida no mundo, que erguem a sua voz e apoiam, com intervenções no terreno, os famintos, os refugiados, os injustiçados, as vítimas da guerra e dos massacres sem rosto, os explorados, os sem abrigo, os inválidos e estropiados causados pela venda iníqua de armas. Muito longe da casa onde eu vivo, mas também ao pé de mim.

Não pertenço, mas apoio, com a ajuda que posso dar, os homens e mulheres que lutam pelo bem da humanidade e pelo equilíbrio do planeta, muitos deles anónimos mas de coração a transbordar de amor pelo próximo e por esta terra que todos, mas todos, sem excepção, devíamos amar.

Como disse, ao princípio, vou voltar aqui, nestas linhas e no cantinho deste jornal, ao Planeta Azul e ao Tema da ÁGUA, esse elemento bendito e amigo, que não me cansarei de defender, em todos os momentos e de todas as formas e forças que tiver.

Por quem, amiga Água, tantos te procuram e tantos também morrem por ti…..



Ponta Delgada, 25 de Julho de 2006


José Rogério da Apresentação

Pinceladas Vivas - 9

O bom do Günther

Agora que já passaram todas as emoções tórridas de encantos e desencantos suscitadas pelo Mundial FIFA 2006, sou tentado a fazer algumas reflexões acerca desse fenómeno de multidões e do pequeno país que nós temos e somos.

Eu e os meus amigos mais próximos e mais íntimos temos orgulho em sermos lusitanos, em termos nascido neste doce berço europeu, neste pequenino torrão lindo de morrer, e também gostamos desta nossa gente, orgulhosa da sua maravilhosa história de séculos, nação de marinheiros intrépidos e barbudos que, contra ventos e marés, rasgaram o desconhecido para “dar novos mundos ao mundo”, “nação valente e imortal” que milhares e milhares de gargantas cantaram até ficarem roucos, agitando bandeiras e cachecóis, buzinando até mais não, de cada vez que aquele grupo de bravos rapazes lusitanos do pontapé na bola, sob a batuta do sargentão brasileiro, iam galgando barreira atrás de barreira, em direcção ao momento mais apetecido: - sermos campeões do mundo!
Não chegámos lá, ficámos às portas, pertinho, pertinho, à distância de 2 jogos, em que “tínhamos” de ganhar aos franceses do “galo velho” [seus indecentes, vocês compraram o árbitro, ameaçando que iam hipotecar o Uruguai se ele não marcasse um penaltizito contra os portugas! ….] e aos italianos da massa milanesa [mas foi melhor assim, se não como é que íamos ter o extremo gozo de ver aquela cabeçada ao Materazzi?!..., Ah, ganda Zidane, assim é que é! Não se pode dar confiança a um italianozeco de meia tigela, meio tostão furado de gente!...].

E então, com estas cogitações todas, estava eu, muito satisfeitinho, a pensar com os meus botões, como tenho orgulho em ser português [“Atão” um 4º lugar não é bom?! É lá coisa de se deitar fora?! Portugal, dos velhos marinheiros e marujos, entre as 4 maiores potências do mundo da bola! Ombreando ali com italianos, franceses e alemães, os tais crónicos (mais o Brasil e a Argentina, ou o Uruguai de há 20 décadas), das finais fifescas! À frente duma data de “times” que gritavam que iam fazer isto e aquilo, assado e frito, que o campeonato do mundo já estava no papo, ainda antes de jogarem!]. Como me dá gozo em pertencer a esta raça de gente do 8 ou 80! Há 2 anos, no Euro 2004, estávamos lá, quase, quase lá, mas, pronto, vieram uns gregos endemoninhados, chatearam-nos e lá se foi o sonho de sermos campeões. Agora [isto não se faz!] foram os chatos [outra vez, vestidos de azul, como os gregos!] dos franceses [e nós que estávamos a jogar tão bem, sob os braços abençoados da Senhora de Fátima, ou da do Caravaggio, ou da de Marianfeld !....] e ficámos outra vez às portas do Céu. Que raio, vejam só se isto não é um fado, fatal como o destino?! E depois, vem a estranja chatear-nos que somos uns melancólicos, uns saudosistas de 3 costados, uns tipos que levamos a vida a lamuriar-nos, vivendo das recordações gloriosas dum passado heróico!... Não, não pode ser, a malta cá deste burgo lusitano, que diabo!, até tem razão em ser assim. Como éramos pequeninos, éramos no meio dos 4 potenciais candidatos, uns “outsiders” [mas, alto lá! - ouviu-se um rugido tremendo ecoado a viva voz pelos 4 cantos do mundo onde há patrícios nossos – somos pequeninos, mas não somos uns coitadinhos, somos os maiores …..]

É isto que me enche o peito, à medida em que, de reflexão em reflexão, pensamento rolando sobre pensamento, chego à Baviera de há 2 anos, à bela cidade da cerveja, que dá pelo nome de Munique (ou Munich, ou München), a tal onde lá na “Arena” do futebol, os 23 rapazes do Scolari caíram bravamente de pé às mãos [ou aos pés] dos gauleses. Por esse tempo, - recordo com saudade!-, conheci ali um alemão, raça pura genuína, embora traçado de raízes austríacas, dos lados de Salzburg [sim, a “la belle”, a paradisíaca cidade da “Música no coração”]. O Günther é um bom e sadio amigo. Trata-se de uma personagem bonacheirona, cara rosada e saudável, senhor dum farto bigode que acompanha todo o traçado da boca e que recurva, em cada um dos lados, em direcção ao nariz. Gosta de conversar, é tão bom falador como contador de anedotas, no fim de cada uma das quais solta sempre uma sonora e estrondosa gargalhada [ou seja, como se diz cá no nosso burgo, faz a “festa, lança os foguetes e apanha as canas”…]. Tal como é nosso amigo, é também amigo de Portugal, onde vem bastas vezes, umas em afazeres profissionais, mas a maioria para passar uns dias, usufruindo das facilidades de viajar, onde vem curtir sol e mar, e sentir o “doce pulso” da gente portuguesa que adora e que considera como o povo mais simpático e hospitaleiro do mundo. É, também, um homem culto, lê muito e muito do que lê é sobre Portugal, a sua história, a sua gente, a sua cultura e os nossos costumes e etnologia. Fala fluentemente inglês americano e um “pouquito de português de Portugal ” [como ele gosta de dizer, referindo-se ao “português brasileiro” e dele distanciando-se].

Naquela tarde, sentados numa típica cervejaria, situada mesmo no coração da capital da Baviera, entre 2 copos avantajados e repletos da espumosa e não menos famosa cerveja destes sítios, o bom do Günther, ia contando, também ele espumando, tal como a cerveja, de alegria contagiante de viver, desfiando as suas muitas viagens e aventuras pelo interior mais profundo de Portugal, parando momentaneamente no Algarve, seguindo repentinamente para o Minho e Douro, gorgolejando [como se estivesse mesmo naquele momento a beber] canecas de vinho verde tinto, carregadinho de espuma e acabadinho de fazer. Depois voava até à Madeira e detinha-se nos Açores, donde conhece apenas S. Miguel: - bela ilha, bela gente, bom peixe, e que mar!.... Depois, estranhamente, ao contrário do dia anterior, hoje não contou coisas para rir, nem as suas fartas gargalhadas se fizeram ouvir. Falou da melancolia do povo português, da sua saudade imensa, do seu agarrar histérico a um passado, sem dúvida glorioso, mas que não levanta barreiras nem cria riqueza e desenvolvimento hoje. País espectacular, segundo diz, prodigioso para o turismo, potencial criador de riqueza incomensurável com o seu clima, as suas paisagens e a terra que tudo dá e onde tudo se cria. Tolda-se-lhe o espírito, iluminado por uma tristeza profunda, porque não compreende a economia portuguesa, não entende porque as empresas e os negócios não avançam, porque a sociedade portuguesa está a “abrasileirar-se”,a transformar-se aos poucos no que tem sido o Brasil desde há muitos anos, um país enorme, riquíssimo, de energias fantásticas, mas profundamente assimétrico nos seus estratos sociais, sem classe média [ou, no mínimo, pobre], com uma multidão gritante de pessoas muito pobres, muitas no limiar da miséria, sem nada de seu, em contraste com uma minoria [cada vez mais pequena] de uns tantos anormalmente ricos, donos de poderosos empórios económicos, compradores não raras vezes de ilhas e das propriedades públicas. Portugal, afirma, poderá estar a caminhar nesta direcção, se nada for feito para travar o forte endividamento das famílias. A propensão para a poupança que é preocupação na Alemanha é substituída no “teu país” - interpela-me - por uma indómita vontade de gastar, fazendo parecer que o que é importante é o dia a dia, não o acautelar do futuro das gerações mais novas e das vindouras. O Milagre Alemão não existe, nem nunca existiu, o que existe, sim, é uma prodigiosa energia que atravessa a Germânia de lés a lés, como uma corrente fria, gélida e calculista, colocando esta nação grande em níveis de conforto e de bem estar em nada comparáveis aos vossos.

Quem dera, bom amigo, que não fosse assim, que estivesses enganado….



Ponta Delgada, 23 de Julho de 2006
José Rogério da Apresentação