Pinceladas Vivas - 2
“Mauá”, “Contos Cariocas”, “Teresa Batista” e um período breve e inesquecível no Brasil
Nos primeiros dias de Novembro passado, numa luta contra o cansaço, dei pela 3ª vez um giro até às terras cariocas do Brasil. Rio de Janeiro, de belezas mil, é o meu refúgio predilecto, sempre que procuro carregar baterias que estão prestes a esvaziar. Das outras vezes, tinha dado sossego ao corpo, mergulhando nas águas temperadas e batidas das maravilhosas praias de Copacabana. É por ali, duas artérias atrás da Avenida Atlântica, que procuro habitualmente o meu pouso. Um hotel económico, familiar, muito aconchegado, repousante, a umas centenas de metros do mar, rodeado por quiosques, lanchonetes, pequenos restaurantes, bares e cervejarias, onde se pode comer “comida rápida ou a peso”, ou levar umas “kentinhas”, embrulhadas em papel de alumínio, para comer no quarto. O barulho e o pulsar de Copacabana ficam mais atrás, na Barata Ribeiro ou na Senhora de Copacabana, ou adiante na Atlântica, frenética de hotéis, colados uns aos outros, a observar o mar azul e o extenso areal que o circunda e acaricia. Uma multidão imensa corre estas enormes avenidas, calcorreando largas calçadas ou serpenteando as vias saturadas de tráfego, em trajes leves de verão, sandálias ou chinelas nos pés, ou de fatos de banho ligeiros, troncos nus com toalha de praia às costas. De dia, após um pequeno-almoço, recheado de deliciosas iguarias sobre uma enorme mesa, tipo “self-service”, cá o rapaz singra a caminho da praia que fica mesmo ali à frente, duas ruelas pequenas andadas, e pronto, já está. Cruzo a Avenida Atlântica, atravesso a estrada, com cuidado (!) para não ser atropelado, e piso a areia quente da vastidão de areal, dividido em múltiplas praias contínuas, de vários nomes, mas que afinal é só uma. Da estrada até ao mar, em largura, corro várias dezenas de metros, sempre por entre uma multidão de veraneantes, estendidos sobre uma areia, branca e suave como o açúcar, e debaixo dum sol abrasador que torra e pinta os corpos com as cores do cobre e o cheiro penetrante e saudável da maresia. Há sempre um lugar bom, longe ou perto do morrer das ondas, onde se pode pôr a toalha e as parcas coisas que se leva. – “Oh, vizinho!, pode guardar aqui as minhas coisas, enquanto vou ali dar um mergulhito”. Não vá o diabo tecê-las, que ao regressar só lá está o lugar: a toalha e o resto “voou”. Apesar disso, e por isso, tudo isto tem um encanto. Mergulhado nas águas abençoadas, corpo refrescado e alma purificada, é a hora de beber uma água de coco fresquinha ou um “chopinho” gelado, acompanhado duns camarões fritos enfiados, tipo espetada madeirense, num pau, que não é de louro, aí duns 20 centímetros. Pelas 3-4 horas da tarde, regresso ao hotel para um chuveiro delicioso, caio sobre a cama e repouso um bocado até por volta das sete, hora mais ou menos em que meto pé na rua, vestindo trajes leves e frescos, e vou à procura do jantar para depois dar uma volta à noite, por entre as ruas concorridas da Copacabana carioca, apreciando os mil e um vendedores de bugigangas sem fim que enchem à noite a Avenida Atlântica, junto ao areal, ou estacionando nalguma das muitas esplanadas, sob uma temperatura nocturna quente, sorvendo líquido fresquinho.
Por essas vezes, nestas idas ao Rio, entrecortado pelos dias só de praia, em Copacabana, descia até ao coração do Rio de Janeiro, à Rio Branco, ao Botafogo, à praia do Flamengo, à Glória, ao outro lado da ponte do Niterói, à Churrasqueira do Leblon, a Ipanema, à Tijuca, ao show do Plataforma, ao Pão de Açúcar, ao Cristo do Corcovado, à visita dos familiares na Urca, à Escola de Samba do Salgueiro ou ao bar do Chico´s, mas não me aventurava mais… porque isso me dava sossego, calma, bem-estar e energia para mais uma temporada de trabalho quando regressasse a Portugal. E sentia-me feliz, maravilhosamente bem…
Só que, desta vez, nesse Novembro inesquecível, na longa viagem de 10 horas, desde Lisboa até ao Rio de Janeiro, “peguei de estaca” e devorei de enfiada 2 maravilhosos livros que traduzem, quanto a mim, o fundo da alma brasileira e o timbre alegre, irradiante e bem disposto do ser carioca, habitante dessa imensa metrópole, de vários milhões de habitantes, que é o Rio de Janeiro: “Mauá, Empresário do Império” (de Jorge Caldeira, 557 páginas) e “Contos Cariocas” (um livro póstumo do Arthur Azevedo, 263 páginas). Depois, no período que se seguiu, durante a minha estada duma semana, bebi devorando as 475 páginas do livro do Jorge Amado que me faltava ler: “Teresa Batista Cansada de Guerra” (uma obra imponente, como todas as outras dele, em que o autor pinta a letras grossas e plenas de vida os recônditos mais íntimos da alma popular do interior do Brasil, esse país enorme, em extensão e contrastes, que pula de vida).
Destes 3 livros e do que foi essa semana quente de Novembro último, darei conta, caro leitor, em próximo artigo, que, prometo, não vai demorar muito tempo a aparecer. Acredito que vai valer a pena lê-lo, pelo pitoresco e castiço do que encerra.
José Rogério da Apresentação
Original escrito em: Ponta Delgada, 22.09.2003
Actualizado em: 14.02.2006
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